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A Inconstitucionalidade Material da Limitação do Dano Moral Trazida Pela Lei N. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista): Uma Análise à Luz da Constituição e Jurisprudência

  1. A PROBLEMATÍCA DA TARIFAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

A chamada “Reforma Trabalhista”, instrumentalizada pela Lei nº 13.467/2017, foi aprovada pela Câmara dos deputados em 26 de abril de 2017 por 296 votos favoráveis e 177 votos contrários, sendo que, no Senado, foi aprovada em 11 de julho de 2017, por 50 votos a 26.
Fundamentada no argumento do combate ao desemprego e à crise econômica do país e permeada por uma série de embates entre os apoiadores e os contrários à possibilidade do surgimento de uma nova norma, o governo conseguiu a aprovação em tempo recorde.
Com a aprovação, surgiram questionamentos sobre a aplicabilidade ou não de parte dos novos regramentos, motivo pelo qual o governo editou a Medida Provisória n° 808, de 14 de novembro de 2017, cujo teor alterava a lei que recém entrara em vigor, em 11 de novembro de 2017.
Dentre as novas disposições trazidas pela Lei nº 13.467/2017, destaca-se o Título II-A, denominado “Do Dano Extrapatrimonial (arts. 223- A a 223-G)”, sendo que o Art. 223-G, § 1º prevê a chamada indenização tarifada, caracterizada na limitação de valores a serem arbitrados em caso de indenização por danos extrapatrimoniais.
A disposição inicial do texto aprovado asseverava o seguinte:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I – a natureza do bem jurídico tutelado; II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III – a possibilidade de superação física ou psicológica;
[…]
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; 
II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido. (grifamos)

Com a medida provisória n° 808, o § 1 do art. 223-G passou a ter a seguinte redação:

§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – para ofensa de natureza leve – até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
II – para ofensa de natureza média – até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
III – para ofensa de natureza grave – até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou
IV – para ofensa de natureza gravíssima – até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (grifamos)

Em que pese a mudança, alterando-se o salário do trabalhador para o limite máximo dos benefícios do Regime de Previdência social como base para a tarifação, o vício inerente à limitação é a inconstitucionalidade que se impõe à norma, seja pelo que predizem os arts. 5º, caput e 7º, XXXII da Constituição Federal, pela Súmula 281 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelos princípios que regem o Direito do Trabalho ou pela vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de inaplicabilidade de tarifação das indenizações do dano moral, remetendo-se à antiga Lei de Imprensa (Lei Federal n° 5.250/1967).
Ademais, determinar um teto para pagamento, a depender do tipo de ofensa (leve, média, grave ou gravíssima) não parece ser possível em se tratando de indenizações a título de dano extrapatrimonial, comumente conhecido como dano moral, haja vista o caráter subjetivo do dano e as diversas formas de como pode se manifestar no íntimo de cada indivíduo, ainda que em situações semelhantes.
O caput do art. 223-G determina ao juízo a avaliação de alguns critérios ao apreciar o pedido de dano extrapatrimonial, destacando-se aqui os elencados nos incisos II, III, IV e XI, quais sejam:

[…]
II- a intensidade do sofrimento ou da humilhação
III – a possibilidade de superação física ou psicológica
IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão
VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral.

A partir do momento em que o disposto no § 1º do art. 223-G, impõe ao magistrado um teto financeiro – considerando que é o pagamento em dinheiro a única forma de minimizar os danos de quem sofreu abalos íntimos – ocorre, a nosso ver, um natural impedimento para a exata avaliação dos critérios elencados nos incisos acima mencionados.
Aos apegados à literalidade da lei, alternativa não há senão a aplicabilidade dela. No entanto, aos que quanto a ela se insurgem, o controle difuso de constitucionalidade, bem como o apego aos princípios que regem o Direito do Trabalho – em especial o da norma mais favorável ao trabalhador – e até mesmo a teoria do diálogo das fontes, são possíveis soluções para que se impeça a aplicabilidade da nova norma.

  1. O DANO MORAL E SUA REPARAÇÃO NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

O dano moral é um instituto jurídico consagrado pela nossa Carta Constitucional, incisos V e X do artigo 5º, preceito normativo que visa garantir à vítima justa reparação por todos os danos extrapatrimoniais ocasionados pelo ofensor.
De outra banda, o Código Civil, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, instituiu a obrigação do ofensor em reparar todos os danos ocasionados ao ofendido, artigo 186, 187 e 927 do diploma supracitado, vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Considerando este complexo de normas de direito comum, podemos concluir que o dano moral é decorrente de uma conduta humana ilícita ou antijurídica que resulte em danos extrapatrimoniais ao ofendido, ocasionando-lhe dor, tristeza, vexame, sentimentos de consternação e pesar ao íntimo do ofendido.
Para Yussef Sahid Cahali, o dano moral é indenizável, definitivamente, como o dano patrimonial:

Dizer-se que repugna a moral reparar-se a dor alheia com o dinheiro, é deslocar a questão, pois não se está pretendendo vender um bem moral, mas simplesmente se está sustentando que esse bem, como todos os outros, deve ser respeitado. Quando a vítima reclama a reparação pecuniária do dano moral, não pede um preço para a sua dor, mas, apenas, que se lhe outorgue um meio de atenuar em parte as consequências da lesão jurídica. Por outro lado, mais imoral seria ainda proclamar-se a total indenidade do causador do dano.

Essa proteção aos valores íntimos do ser humano caracteriza o homem. Miguel Reale, em brilhante manifestação, professa:

A nossa vida não é espiritualmente senão uma vivência perene de valores. Viver é tomar posição perante valores e integrá-los em nosso “mundo”, aperfeiçoando nossa personalidade na medida em que damos valor às coisas, aos outros homens e a nós mesmos. Só o homem é capaz de valores, e somente em razão do homem a realidade axiológica é possível.

Arnaldo Sussekind (1995, p. 595) sustenta que:

O dano moral está correlacionado com os direitos da personalidade, que devem ser considerados inatos, integrantes do universo supra estatal. E pontifica que o cotidiano do contrato de trabalho, como relacionamento pessoal entre empregado e o empregado, ou aqueles a que este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes. De ambas as partes – convém enfatizar – embora o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem o trabalhador.

A indenização por dano moral não visa apenas compensar os sentimentos negativos experimentados por quem sofreu o dano, mas desestimular novas agressões ao ofensor e também à sociedade – neste caso a empresária – que ao ter conhecimento acerca da abrangência das punições, com maior probabilidade se adequará aos limites impostos pela lei.
Eis o caráter pedagógico da medida!
Assim se posiciona João Casilo (1994, p. 82):
A possibilidade de as pessoas serem obrigadas a indenizar, sendo agentes de atos ilícitos, pesa fundamentalmente nas atitudes de cada um. Os que praticam o ato dolosamente pensam duas vezes antes de fazê-lo. Os que poderiam praticar por culpa, aguçam seus sentidos, para não incorrerem em imprudência, negligência ou imperícia

A ocorrência de situações que ensejam o dano moral nas relações de trabalho não é algo incomum.
Há ainda uma diferença crucial e até mesmo agravante ao se tratar do dano moral nas relações de emprego quando em comparação com o dano moral civil, uma vez que nas relações de emprego, uma das partes encontra-se em estado de subordinação.
Daí a razão pela qual o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho são as vias adequadas para compreender as razões específicas da tutela do direito moral atribuídas ao trabalhador subordinado.
Na conceituação de Amauri Mascaro Nascimento (Nascimento, 2011, p.116): “A agressão moral é o ato único por si só suficiente para causar o dano (ex. o ato lesivo da honra e da boa fama praticado pelo empregador ou superiores hierárquicos, contra o empregado, salvo legitima defesa).
No âmbito empregatício, ensejam a reparação do dano moral, por exemplo, o procedimento discriminatório, falsa acusação de cometimento de crime, tratamento fiscalizatório, tratamento vexatório e também lesões acidentárias.
Quanto às lesões acidentárias, além de causarem perda patrimonial – como quanto aos gastos implementados para a recuperação – podem causar a inviabilização da atividade laborativa do empregado.
No tocante ao dano moral oriundo de acidentes de trabalho, Maurício Godinho Delgado (2007, p.617):
As lesões acidentárias também podem causar dano moral ao trabalhador. Este, conforme visto, consiste em toda dor física ou psicológica injustamente provocada em uma pessoa humana. Nesse quadro, a doença ocupacional, a doença profissional e o acidente de trabalho podem, segundo sua gravidade, provocar substanciais dores físicas e psicológicas no individuo, com intensidade imediata ou até mesmo permanente, ensejando a possibilidade jurídica de reparação. Ressalte-se que tanto a higidez física, como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).

O dano moral pode ainda, com base em alguns entendimentos, ter origem mais ampla, não decorrendo apenas de condições que violem a intimidade, privacidade ou dignidade do trabalhador, mas puramente da omissão no cumprimento da norma trabalhista.
Seria o caso, por exemplo, de conferir o dano moral a quem não teve sua carteira assinada, o salário pago na forma legal, o ambiente de trabalho em conformidade com a proteção à saúde etc.
Eis um precedente que exemplifica a responsabilização do dano moral por omissão:

RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DA CTPS. CABIMENTO. O empregador tem o dever de registrar o contrato de trabalho na CTPS do empregado, detendo prazo de 48 horas para tanto (artigo 29 da CLT), sujeitando-se a penalidades administrativas pelo descumprimento da lei. Portanto, age de forma ilícita o empregador que não anota o contrato de trabalho no documento oficial. De outro giro, é certo que o empregado sofre prejuízos quando o contrato de trabalho não é registrado em sua CTPS, sendo o dano presumido, uma vez que é com este documento que o trabalhador comprova o seu histórico profissional e a ocupação, bem como o utiliza para obtenção e análise de crédito, além de benefícios previdenciários. Surge, desse modo, o dever de indenizar o empregado pelo dano provocado.(TRT-1 – RO: 00104665220135010064 RJ, Relator: FLAVIO ERNESTO RODRIGUES SILVA, Data de Julgamento: 10/06/2015, Décima Turma, Data de Publicação: 30/06/2015) (grifamos)

Como regra geral, a noção de responsabilidade subjetiva é a que predomina nas relações de emprego.
Sabe-se que para a aferição da responsabilidade civil, há a necessidade da junção de três requisitos essenciais.
Tais requisitos, em princípio, são: dano; nexo causal e culpa, sendo este último denominado como “culpa empresarial” por alguns doutrinadores.
Quanto a este terceiro requisito, Maurício Godinho Delgado (2007, p.620):

O terceiro requisito é, finalmente, a culpa empresarial. De maioria geral, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes desde o momento de afirmação jurídica de tais tipos de indenização, a contar da Constituição de 1988, é necessária a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado. É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia, na linha normatizada pelo velho artigo 159 do CCB/ 1916 e art. 186 do CCB/2002.

Ou seja, para que se responsabilize o empregador a indenizar determinado empregado que sofreu, por exemplo, um acidente de trabalho ou que teve a integridade física violada por um cliente ou colega de trabalho, a seguir a premissa, deve-se verificar se o empregador teve ou não culpa pelo resultado.
Com a devida vênia, ciente de que este não é o entendimento majoritário e que se trata o presente trabalho de uma reprodução de diversos pensamentos já existentes, me posiciono no sentido de aderir à lógica de que nas relações laborativas há responsabilidade objetiva por parte do empregador, ou seja, basta uma conduta de descumprimento das normas trabalhistas, para que fique configurado o dano moral, pela evidência dos prejuízos ocasionados a parte mais frágil da relação contratual de trabalho, ora o empregado.
No entendimento deste subscritor, o requisito dolo deve ser afastado do instituto dano moral, ainda que o ofensor tenha praticado determinada conduta sem a intenção de provocar o resultado danoso ao ofendido, há o dever de reparar o dano, por aplicação da responsabilidade objetiva, que a rigor, deve ser reconhecida nas normas que regem as relações de trabalho e emprego, ainda assim, pela falta do dever do empregador em vigiar seus prepostos, por seus atos, incidindo neste caso, a culpa in vigilando.
Tal entendimento se consolida principalmente em se tratando de atividades consideradas de risco, mediante classificação conferida pelo Anexo V do Decreto nº 3.048/99, devendo aplicar-se o disposto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
Sebastião Geraldo de Oliveira aponta que “a tendência na doutrina e leis mais recentes de avançar para a culpa objetiva, mesmo no caso da responsabilidade civil. Por essa teoria, basta a ocorrência do dano para gerar o direito à reparação civil, em benefício da vítima.”
Ainda justificando a opinião pessoal deste subscritor, faço aqui um parêntesis para uma interpretação analógica da lei.
No Direito do Consumidor, responde o fornecedor por qualquer dano que o produto ou serviço venha causar a quem o adquire, mesmo que aquele tenha tomado todos os cuidados possíveis.
Danos acontecem e sempre acontecerão, e quem arca com os bônus deve arcar também com os ônus, especialmente em se tratando da saúde humana.
Tivesse o consumidor que comprovar a culpa do fornecedor, praticamente não existiriam indenizações, uma vez que na maioria dos casos seria impossível realizar prova, o que ocasionaria um desprovimento de tutela jurisdicional.
A mesma analogia se aplica ao querer que o trabalhador comprove ou não a culpa do empregador por eventual dano ocorrido durante a relação de trabalho.
A corroborar com o exposto acima, colaciona-se julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em que pese antiga, vai ao encontro da analogia realizada, também relacionada a uma atividade de risco:
RECURSO DE REVISTA – ACIDENTE DE TRABALHO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL – ELETRICISTA.
O sistema de responsabilidade civil vigente em determinado país deve refletir os avanços tecnológicos incidentes nas relações sociais, sob pena de se ter um ordenamento jurídico inapto a disciplinar as mencionadas relações e incapaz de concretizar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, em patente menosprezo à força normativa do diploma que representa a decisão política fundamental do povo brasileiro. Nessa senda, o Código de Defesa do Consumidor, atento à realidade de produção em massa inerente à sociedade industrial, instituiu o sistema de responsabilidade objetiva pelos defeitos existentes nos produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo (arts. 12 a 14 do CDC). Assim o fez porque o consumidor ostenta posição de hipossuficiência em relação ao fornecedor, pois este detém todas as informações inerentes aos produtos e serviços que comercializa, o que torna inviável à outra parte da avença provar os mencionados defeitos. Além disso, não se pode ignorar que, por mais que o fornecedor se esmere na adoção de medidas destinadas a prevenir qualquer defeito, ele inevitavelmente ocorrerá, causando dano à esfera juridicamente protegida de outrem, que ficaria desprovido de tutela jurídica, caso tivesse de provar a existência de uma culpa que, de fato, não se verificou. Tal não pode ser tolerado por um Estado Democrático de Direito, cuja finalidade consiste em promover o bem-estar de todos (art. 3º, IV, da Carta Magna), por importar em distribuição desigualitária dos riscos oriundos de atividade que se afigura proveitosa para toda a sociedade. Observando a evolução do instituto da responsabilidade civil, o legislador infraconstitucional, ao editar o Novo Código Civil, determinou, no art. 927, parágrafo único, do referido diploma legal, que será objetiva a responsabilidade do autor do dano se a atividade por ele, e em razão dele, normalmente desenvolvida lesar a esfera juridicamente protegida de outrem. Assim o fez, pois não é de difícil constatação que não só nas relações consumeristas existe a hipossuficiência que dá ensejo à tutela da outra parte contratual, razão pela qual deve haver uma regra geral no sistema jurídico brasileiro apta a suprir a carência do sistema de responsabilidade civil subjetiva, quando ela for ineficaz à tutela dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal. Nessa senda, o art. 7º, caput , da Carta Magna, ao instituir os direitos dos trabalhadores de nossa nação, deixa expresso que aquele rol é o patamar civilizatório mínimo assegurado a todo aquele que disponibiliza a sua força de trabalho no mercado econômico, razão pela qual a regra inserta no inciso XXVIII do referido dispositivo constitucional não elide a incidência de outro sistema de responsabilidade civil mais favorável ao empregado, como o é a hipótese do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que deve incidir todas as vezes em que a atividade desenvolvida pelo empregado na empresa ocasionar riscos superiores àqueles inerentes ao trabalho prestado de forma subordinada, como ocorre na hipótese dos autos, em que o empregado é eletricista. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR 1022400332004509 1022400-33.2004.5.09.0015; Orgão Julgador; 1ª Turma; Publicação: DEJT 17/12/2010; Julgamento: 7 de Dezembro de 2010; Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. (Grifo nosso)
Ainda, abster-se de aplicar a responsabilidade objetiva, a meu ver, seria ignorar o princípio da norma mais favorável ao trabalhador e rebaixar a importância dos direitos que visam à melhoria da condição social do empregado, que, no Brasil, por si só, já vive em uma condição social muito abaixo do aceitável.

  1. A TARIFAÇÃO DO DANO MORAL – A INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI N. 13.467/2017

A lei nº 13.467/2017 incrementou diversas mudanças no que toca às normas que regulam as relações de trabalho, dentre elas a criação do Titulo II- A- DO DANO EXTRAPATRIMONIAL, inserindo os artigos 223-A ao 223-G na CLT.
Até a implementação da nova norma, a regulamentação legal do dano no Brasil era feita pelos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, sendo esta a fundamentação legal por meio da qual eram examinados os casos em que havia afronta a direitos e garantias materiais e imateriais, condenando ofensores ao pagamento de indenização proporcional à extensão dos danos.
Não havia qualquer limite indenizatório.
O artigo que dá início ao Título II, assevera que: “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.”
Ao determinar que apenas as normas contidas no Título II- A da CLT podem ser aplicadas a danos de natureza extrapatrimonial, há claro objetivo em limitar a discussão às disposições inovadoras trazidas pela reforma, o que afasta, por conseguinte, a aplicação supletiva das regras do Código Civil sobre a matéria.
Resta, então, a discussão acerca da legalidade da tarifação imposta aos operadores do Direito.

3.1 A INCONSTITUCIONALIDADE DA TARIFAÇÃO DO DANO MORAL – ANÁLISE COMPARATIVA COM A ANTIGA LEI 5.250/1967 (LEI DE IMPRENSA)

O primeiro ponto a ser citado – e que faz saltar os olhos – para fundamentar a inconstitucionalidade da tarifação do dano moral, é a distinção da aplicação do instituto civilista do dano moral em relação aos trabalhadores em comparação com os demais seres humanos.
Criou-se uma espécie de “segunda categoria” de seres humanos, o que por si só configura a ilegalidade da norma em se considerando, tão somente, a famosa frase contida em nossa Carta Magna: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”(artigo 5º, caput ,da Constituição).
No Direito Civil, em que as partes da relação jurídica estão em situação de igualdade, inexiste o estabelecimento de teto para indenização por dano moral, tornando incompreensível o fato de que, no Direito do Trabalho, marcado pelo desequilíbrio entre empregado e empregador, existe agora uma lei que limita o valor do dano moral considerando os valores dos benefícios pagos pela previdência.
Segundo Jorge Luiz Souto Maior
[…] se já há na ordem jurídica dispositivos que estabelecem um patamar mínimo de proteção dos direitos de personalidade, não há como um ramo específico do direito, tratando dos mesmos temas, rebaixar esse nível, sob pena dos atingidos serem tratados como cidadãos de “segunda categoria”. Assim, o geral pretere o específico quando este último rebaixar o nível de proteção social já alcançado pelo padrão regulatório generalizante’’ (grifos do autor)

Não menos grave, mas ainda mais evidente, a inconstitucionalidade reside no fato de a nova lei tarifar os valores a serem pagos a quem sofrer lesão extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho:
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – para ofensa de natureza leve – até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
II – para ofensa de natureza média – até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
III – para ofensa de natureza grave – até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou
IV – para ofensa de natureza gravíssima – até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (grifamos)

A quantificação do dano moral sempre foi observada com base na situação financeira do ofensor e do ofendido, para que fosse compensatória para a vítima e sancionatória ao ofensor.
Sempre se difundiu a ideia de que a reparação deve ter um caráter pedagógico, uma persuasão que impeça o novo atentado de ordem moral.
Neste sentido, Cláudio Antônio Soares (1995, p. 57):
[…] a persuasão para se evitar um novo atentado de ordem moral significa, fundamentalmente, uma sanção para o ofensor. Embora a pena civil seja conceituada como aquela decorrente da inadimplência de obrigações pactuadas como ato de vontade das partes contratantes, tem-se aqui, por força do texto constitucional, caráter indenizatório não retira o fato de que o ofensor irá também compensar, satisfazer a vítima do mal causado, é fato incontestável que tem por função primordial o desestimulo – em face do ofensor e como exemplo à sociedade de que este faz parte – à prática de atos semelhantes, apenando, portanto, o ofensor, e não apenas reparando o mal causado em relação à vítima ou sua família […]

Infelizmente, no Brasil, nem sempre o caráter pedagógico é atendido pelos julgadores, que concedem indenizações módicas até mesmo a grandes empresas, que lucram à custa do trabalhador e, por não sentirem no bolso o peso de seus atos, sentem-se incentivados a manter as mesmas práticas.
Não há nenhuma ilegalidade em levar em consideração a capacidade econômica das partes (ofendido e ofensor) ao mensurar eventual valor indenizatório a ser deferido em favor de quem sofreu dano extrapatrimonial.
Contudo, não se podem limitar patamares indenizatórios em razão dos valores da previdência social, especialmente quando estes são considerados valores incapazes de prover o mínimo necessário à população.
Os patamares estabelecidos podem ser expressamente inexpressivos, dependendo do caso concreto.
Maurício Godinho Delgado (2007. p, 618) comenta a respeito da impossibilidade de tarifação do dano moral:
Registre-se que a quantia indenizatória por dano moral, mesmo o derivado de lesão à saúde do trabalhador, não tem como ser fixada com a objetividade inerente à indenização por danos materiais. Prevalecerá, em tais casos, inegável juízo de equidade pelo julgador[…]
Chama a atenção clamorosa o fato de que o legislador, uma vez mais, opte por uma tentativa de tarifação que já fora inserida anteriormente, por exemplo, na lei 5250/67 (lei de imprensa), a respeito da qual já havia a Súmula 281, do STJ, expressamente assinalando que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa” e houve pronunciamento expresso do STF, através da ADPF 130/09, no sentido desta lei não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e não por critérios puramente formais, mas inclusive materiais, entre eles, a questão relativa à tarifação por danos morais, que era prevista nos artigos 51 e 52 da lei em exame, in verbis:
Art 51. A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:
I – a 2 salários-mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, ns. II e IV).
II – a cinco salários-mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decôro de alguém;
III – a 10 salários-mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém;
IV – a 20 salários-mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (art. 49, § 1º).
Parágrafo único. Consideram-se jornalistas profissionais, para os efeitos dêste artigo:
a) os jornalistas que mantêm relações de emprego com a emprêsa que explora o meio de informação ou divulgação ou que produz programas de radiodifusão;
b) os que, embora sem relação de emprêgo, produzem regularmente artigos ou programas publicados ou transmitidos;
c) o redator, o diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico, a editor ou produtor de programa e o diretor referido na letra b , nº III, do artigo 9º, do permissionário ou concessionário de serviço de radiodifusão; e o gerente e o diretor da agência noticiosa.
Art 52. A responsabilidade civil da emprêsa que explora o meio de informação ou divulgação é limitada a dez vêzes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta de ato culposo de algumas das pessoas referidas no art. 50.

Quanto ao tarifamento apresentado na Lei 5250/67 (lei de imprensa), eis a opinião de Maurício Godinho Delgado:
Dois problemas importantes ocorrem com respeito a esse antigo critério de tarifamento da indenização por dano moral ou à imagem escolhido pelas velhas leis mencionadas. O primeiro de tais problemas concerne à validade jurídica (ou não) do próprio critério de tarifamento, em virtude da orientação constitucional inaugurada em 05.10.1988. De fato, conforme já exposto, a Constituição já firmou comandos amplos com relação à indenização por dano moral e à imagem, os quais não se harmonizam à artificialidade do critério do tarifamento (art. 5º, V e X, CF/88). Apenas o juízo de equidade (à falta de mais preciso critério) é que se ajustaria à amplitude dos comandos constitucionais incidentes à situação em exame. È inválido, pois, o tarifamento da indenização a contar da Carta Magna de 1988.

Mesmo antes da ADPF 130/09, o Supremo Tribunal Federal já possuía diversos precedentes indicando que a tarifação da reparação por danos morais prevista na Lei de Imprensa não fora recepcionada pela Constituição Federal. É exemplificativo nesse sentido a seguinte ementa da lavra do Ministro Carlos Velloso:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. DANO MORAL: OFENSA PRATICADA PELA IMPRENSA. INDENIZAÇÃO: TARIFAÇÃO. Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa, art. 52: NÃO-RECEPÇÃO PELA CF/88, artigo 5º, incisos V e X. RE INTERPOSTO COM FUNDAMENTO NAS ALÍNEAS a e b. I.

  • O acórdão recorrido decidiu que o art. 52 da Lei 5.250, de 1967 – Lei de Imprensa – não foi recebido pela CF/88. RE interposto com base nas alíneas a e b (CF, art. 102, III, a e b). Não-conhecimento do RE com base na alínea b, por isso que o acórdão não declarou a inconstitucionalidade do art. 52 da Lei 5.250/67. É que não há falar em inconstitucionalidade superveniente. Tem-se, em tal caso, a aplicação da conhecida doutrina de Kelsen: as normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, com esta incompatíveis, não são por ela recebidas. Noutras palavras, ocorre derrogação, pela Constituição nova, de normas infraconstitucionais com esta incompatíveis. II. – A Constituição de 1988 emprestou à reparação decorrente do dano moral tratamento especial – C.F., art. 5º, V e X – desejando que a indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. Posta a questão nesses termos, não seria possível sujeitá-la aos limites estreitos da lei de imprensa. Se o fizéssemos, estaríamos interpretando a Constituição no rumo da lei ordinária, quando é de sabença comum que as leis devem ser interpretadas no rumo da Constituição. III. – Não-recepção, pela CF/88, do art. 52 da Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa. IV. – Precedentes do STF relativamente ao art. 56 da Lei 5.250/67: RE 348.827/RJ e 420.784/SP, Velloso, 2ª Turma, 1º.6.2004. V. – RE conhecido – alínea a -, mas improvido. RE – alínea b – não conhecido. (grifamos)

O entendimento exposto pelo já aposentado Ministro Carlos Velloso, expressa a inconstitucionalidade de qualquer tentativa de tarifação do dano moral prevista em lei ordinária, o que obrigaria uma interpretação da Constituição no rumo da lei ordinária e não o contrário, como deve ser.
Em se tratando da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130/09, examinada em 30/09/2009 pelo Tribunal Pleno, o Ministro Ricardo Lewandowski, fundamentou o voto da seguinte maneira:
O princípio da proporcionalidade, tal como explicitado no referido dispositivo constitucional, somente pode materializar-se em face de um caso concreto. Quer dizer, não enseja uma disciplina legal apriorística, que leve em conta modelos abstratos de conduta, visto que o universo da comunicação social constitui uma realidade dinâmica e multifacetada, em constante evolução.
[…]
Já, a indenização por dano moral – depois de uma certa perplexidade inicial por parte dos magistrados – vem sendo normalmente fixada pelos juízes e tribunais, sem quaisquer exageros, aliás, com muita parcimônia, tendo em vista os princípios da equidade e da razoabilidade, além de outros critérios como o da gravidade e a extensão do dano; a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do ofendido; e a condição financeira do ofendido e do ofensor. Tais decisões, de resto, podem ser sempre submetidas ao crivo do sistema recursal. Esta Suprema Corte, no tocante à indenização por dano moral, de longa data, cristalizou jurisprudência no sentido de que o art. 52 e 56 da Lei de Imprensa não foram recepcionados pela Constituição, com o que afastou a possibilidade do estabelecimento de qualquer tarifação, confirmando, nesse aspecto, a Súmula 281 do Superior Tribunal de Justiça.

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), editou a Súmula 281, cujo teor prediz que: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.”
A tarifação do dano moral causou negativa repercussão até mesmo entre os magistrados, razão pela qual na data de 21/12/2017, logo após a entrada em vigor da Lei, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5870, com pedido de medida cautelar, contra dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, questionando os incisos I a IV do parágrafo 1º do art. 223-G da CLT.
A mencionada ADI tem como relator o Ministro Gilmar Mendes e, a menos que o Supremo Tribunal Federal venha afrontar a ratio decidendi de diversos de seus precedentes a respeito dessa temática, a tendência natural é que se declare a inconstitucionalidade dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 223-G introduzidos à CLT pela lei 13.467/17.
Não se confunda a análise da condição econômica das partes, a intensidade do dano, o perfil da vítima e do ofensor, os danos atuais e futuros, a remuneração e o tempo de serviço dentre outros elementos, com a tarifação ou limitação tarifada legalmente, sendo esta uma forma que não atende aos juízos de equidade e reparação integral que balizam a essência do dano extrapatrimonial.
A nosso ver, voltar a tarifar valores para a reparação de danos extrapatrimoniais, considerando-se a superação do tema em debates já realizados pelo STF, configura retrocesso a direitos já garantidos pela sociedade e, consequente, ferimento ao Princípio da Vedação do Retrocesso Social.

3.2. A NECESSIDADE DE SOBREPOSIÇÃO DO CÓDIGO CIVIL (LEI GERAL) À CLT (LEI ESPECIAL), EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR E À TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES

Embora o Direito do Trabalho seja um ramo jurídico especializado, mantém relações com outros campos do Direito.
Aliás, a própria Consolidação das Leis Trabalhistas prevê em seu artigo 769 que: “Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
Em se tratando da relação com o Direito Civil, Maurício Godinho Delgado (2007, p. 78) explana:
A matriz de origem do Direito do Trabalho é o Direito Civil, em especial, seu segmento regulatório das obrigações. Em consequência, permanecem, inevitáveis as relações entre os dois campos do Direito.
Não há dúvida, porém, de que a autonomização do rao justrabalhista conduziu à separação das duas esferas jurídicas, buscando o Direito do Trabalho, ao longo de quase dois séculos, firmar suas particularidades, em contraponto ao estuário original de onde se desprendeu.
Contudo, ainda assim, há importantes institutos, regras e princípios do Direito Civil que preservam interesse à área justrabalhista. Ilustrativamente, os critérios de fixação de responsabilidade civil, fundada em culpa, que se aplicam a certas situações de interesse trabalhista (veja-se o caso da responsabilidade do empregador em vista de dano acidentário – art. 7º, XXVIII, CF/88). É claro que avanços verificados no plano civilista podem, sem dúvida, atingir também o ramo juslaboral, se houver a necessária compatibilidade de segmentos jurídicos. Nesta linha, a tendência do novo Código Civil de objetivar, em certa medida e em determinadas situações, a responsabilidade do empregador perante seu empregado, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicador, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (parágrafo único do art. 927 do CCB/2002, vigorante desde 11.01.2003).

Conforme explanado anteriormente, no âmbito trabalhista, até a implementação da norma que tarifa os valores de indenização a título de dano moral, a regulamentação legal do dano no Brasil era feita pelos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, inexistindo qualquer limite.
Sabe-se que os princípios são fundamentos que norteiam as normas do direito e auxiliam a operação das leis de acordo com cada matéria em particular.
Miguel Reale aduz que:
Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.
Um dos princípios norteadores do Direito do Trabalho é o da Norma Mais Favorável ao Trabalhador, segundo a qual, nas palavras de Maurício Godinho Delgado (2007, p. 199)
[…] o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista).
Ao tarifar valores a título de dano moral exclusivamente aos trabalhadores, criando-se uma segunda classe de indivíduos, não observou o legislador o mencionado princípio no momento da criação da regra.
Em não o fazendo, cabe então seguir o caminho da norma mais favorável observando-se o contexto de interpretação das regras jurídicas, sobrepondo a legislação cível à trabalhista, neste tocante, por ser mais favorável ao trabalhador, uma vez que não há limites para a indenização extrapatrimonial no diploma civilista.
A aplicação da norma civilista também é possibilitada se trouxermos à baila a aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, que segundo a conceituação de Flávio Tartuce:
A essência da teoria é que as normas jurídicas não se excluem, supostamente porque pertencentes a ramos jurídicos distintos, mas se complementam. A teoria foi desenvolvida por Erik Jayme, na Alemanha, e Cláudia Lima Marques, no Brasil. A última doutrinadora propõe um sentido de complementaridade entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, sobretudo nas matérias de direito contratual e responsabilidade civil.
A opção surge como uma possível solução para os operadores que se insurgem contra a nova regra, que aos poucos cria precedentes, na medida em que novas sentenças sob a égide da nova lei são proferidas.
CONCLUSÃO
A nova legislação trabalhista, embora tenha trazido avanços, paradoxalmente não atende a princípios que sempre nortearam a matéria, resultado de conquistas obtidas mediante intensos debates entre as classes operárias e empresariais.
A nosso ver, a inconstitucionalidade é patente, o que gera um clima de insegurança, uma vez que diante do caso concreto, terá o julgador de apegar-se à literalidade do que dispõe a lei ou apelar para as diversas fundamentações expostas neste artigo.
A nosso ver, seja pelas decisões já sacramentadas pela corte máxima do país em matéria relacionada à tarifação na antiga Lei de Imprensa, seja pela utilização da norma mais favorável ao trabalhador, sobrepondo as regras insculpidas no diploma civilista à nova regra da CLT ou pela aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, a tarifação do dano extrapatrimonial, independentemente de qual seja o elemento no qual se baseie o cálculo, revela flagrante inconstitucionalidade, consequência da inobservância do legislador no momento da elaboração da nova regra.
Aprende-se nos bancos das universidades que Direito não é sinônimo de justiça, mas que justiça é a virtude que o Direito busca alcançar.
Jamais se alcançará justiça plena, a qual acreditamos existir apenas no reino de Deus. Contudo, para que a Justiça do Trabalho possa continuar atendendo a seus fins, parece-nos que o mais correto seja manter o critério de julgamento com base nos elementos da razoabilidade, equidade e justiça, para que não se perca a essência da reparação dos danos extrapatrimoniais.

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